Credenda et agenda: a balança do ser e fazer

A teologia patrística (a reflexão teológica dos chamados “pais apostólicos”, sendo esta a geração posterior aos apóstolos e discípulos de Jesus, sendo Agostinho o último expoente deste grupo) em muito contribuiu para a interpretação dos textos da Escritura, e assim não foi diferente com o corpus paulinus, as cartas de Paulo.

Uma das contribuições que até hoje é ressaltada na academia cristã é a forma paulina de organizar o conteúdo principal de suas duas grandes obras-primas (Romanos e Efésios) em duas categorias: credenda e agenda.

O credenda mostra aquilo em que devemos crer, nossa regra de fé.

Significa, portanto, crer em quem Deus é e o que Ele fez por nós revelado na face de Cristo, Sua graça e justificação, o presente de sermos adotados pelo Pai por meio do Filho e através do selo do Espírito Santo em nós, que se dá a partir do momento que nosso coração é regenerado por Deus e confessamos com nossa boca o senhorio de Jesus, crendo em nosso coração que ele ressuscitou de entre os mortos – tudo por que fomos amados e eleitos antes da fundação do mundo.

Por outro lado, agenda representa aquilo que devemos fazer, nossa regra de prática.

Buscar a paz com todos, tomar a armadura da fé, levar o evangelho a toda criatura, obedecer às autoridades e julga-las pela Palavra de Deus, sermos submissos uns aos outros, exercitar os dons espirituais que Deus nos concede, vivendo de modo decente, “como quem vive de dia”, pondo à morte o pecado e as suas armas através da obediência de fé para a qual fomos chamados.Como dito acima, esta distinção pode ser facilmente percebida em Romanos (credenda nos caps. 1-11 e agenda nos caps. 12-16) e Efésios (credenda nos caps. 1-3 e agenda nos caps. 4-6).

Todavia, se realizarmos um sincero diagnóstico de nossa vida diária veremos que a facilidade exegética não se reflete necessariamente na vida de cada um de nós.

Certamente poderíamos enumerar as mais diversas razões sobre porque temos dificuldade em balancear nossa fé com nossa prática. Poderíamos dizer que nós, ocidentais, fomos ensinados por todo o pensamento pós-iluminista a compartimentalizar coisas, e por isso temos dificuldade em enxergar o “todo”; poderíamos afirmar que os tempos hoje são outros e não podemos viver nossa vida de acordo com o que a Escritura afirma, e por isso temos novas agendas hoje; ou talvez, poderíamos alegar que o que é importante é o fazer, pois é isto que o mundo precisa hoje, e uma crença fundamentada não é o bastante.

Com efeito, em todas estas afirmações temos um dos lados que é deixado de lado: por vezes o crer, por vezes o fazer. E a explicação mais sincera e direta para isto é simplesmente pelo fato de sermos pecadores. É muito mais fácil e simplório aumentar a extensão do saber teológico sem atentar para a profundidade que apenas a prática da Palavra pode trazer, da mesma forma que o cansar-se em muitas ações sem direção, sem ter a mente cativa em Cristo.

A chave para termos credenda e agenda em fina sintonia é lembrarmos que o evangelho para o qual fomos chamados, nos está disponível pela fé, cf. Rm 1.16-17, porém, como LUTERO nos ensina, “é pela fé somente, porém uma fé que não permanece sozinha”.

Neste sentido, TIMOTHY KELLER nos ensina que a prática fornece a melhor estrutura de plausibilidade para a nossa fé. Isto significa que a fé saudável é aquela que entende que as boas obras são o fruto de uma raiz viva.

Em Romanos 12.1 temos portanto, irmãos, exorto-vos pelas misericórdias de Deus que apresenteis o vosso corpo como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional.”. Perceba o que Paulo ensina: o início do bloco “agenda” em Romanos inicia-se com a palavra “portanto”, o que nos mostra que a prática deve ser realizada à luz daquilo que cremos.

Por semelhante modo, em Efésios 4.1, Paulo argumenta “portanto, eu, prisioneiro no Senhor, rogo-vos que andeis de modo digno para com o chamado que recebestes”. Uma vez que recebemos o evangelho, pela fé, agora devemos andar de modo digno deste chamado: o “andar em Cristo” (Ef 5.8).

Irmãos, que nossa balança esteja sempre finamente calibrada pela Palavra de Deus, que nos chama à obediência de fé (Rm 1.5), e que é nossa regra de credenda (fé) e agenda (prática).

Em Cristo,

 

Lic. Gabriel Brito